domingo, 24 de agosto de 2014

MACHADO DE ASSIS - 2014



Machado de Assis



Introdução

O presente trabalho tem como objetivo retratar a vida e obras de um dos maiores escritores da literatura moderna brasileira:Joaquim Maria Machado de Assis, conhecido mais popularmente como Machado de Assis.Veremos aspectos da vida do mesmo, tanto em um sentido histórico e pessoal como no sentido profissional, e assim passaremos de maneira geral por suas obras e trabalhos realizados em vida.
Veremos como foi sua infância, adolescência e maturidade. Perceberemos como um aluno pode “ir além” por meio do estudo tornando-se o homem de origem pobre que foi capaz de ajudar a escrever a historia e se fazer muito mais conhecido do que inúmeros ricos e doutores de sua época.
Conheceremos mais de perto a origem da qual surgiram livros e livros que “enchem” às prateleiras das bibliotecas brasileiras, sejam elas pomposas ou simples, mas sempre serão ricas e ricas de obras deste grande escritor.
E enfim, analisaremos de maneira mais profunda uma genuína obra de Machado de Assis, o conto “O Espelho”, que fala do comportamento humano em si de forma velada e metafórica com uma forma estilística belíssima para a época e muito mais para os nossos tempos. Se me permitem dizer: sigamos em frente!

Introdução a Biografia de Machado de Assis:

Machado de Assis foi um dos maiores representantes da literatura brasileira além de ter sido o primeiro presidente​ e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em 1896 .
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no bairro carioca de Livramento, no dia 21 de junho de 1839. Filho de família humilde, do pintor de paredes, Francisco José de Assis e de mãe portuguesa, Dona Maria Leopoldina Machado de Assis. Ficou órfão de mãe muito cedo e, por isso, foi criado com sua madrasta.
Após a morte de seu pai, em 1851, quando tinha apenas 12 anos, Machado mudou-se com a madrasta para o bairro de São Cristóvão, onde Maria Inês se empregou como cozinheira. Machado de Assis vendia doces e balas para ajudar nas despesas da casa. Era autodidata e foi ali em São Cristóvão que aprendeu francês, com a dona de uma padaria e como o sacristão na igreja da Lampadosa, aprendeu latim.
Já rapaz, fascinado por livraria e tipografia foi ser aprendiz de tipógrafo na tipografia Nacional. Com 16 anos, estreava na imprensa com o poema “Ela”, no jornal chamado Maratona Fluminense. Em 1859, passou a trabalhar no Correio Mercantil, onde era revisor de provas. Estudava gramática e conhecimentos gerais com o padre Silveira Sarmento.
A convite de Quintino Bocaiuva tornou-se redator do Diário do Rio de Janeiro, quando em 1867, foi promovido à Assistente de Diretor. Em 1864, com 25 anos, lançou o livro de poesias chamado “Crisálidas”. Em 12 de novembro de 1869, casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, senhora portuguesa que lhe ajudou na revisão dos livros.
Um ano após o casamento, estreou na ficção com os “Contos Fluminenses”. Em 1872, publicou seu primeiro romance “Ressurreição”. Em 1873, foi nomeada primeiro oficial da Secretária de Estado do Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas. Carolina foi a mulher ideal para Machado de Assis, era sua enfermeira, uma vez que esgotado pelo intenso trabalho de escritor e funcionário público e com epilepsia, estava sempre doente.
Com outros intelectuais, fundou, em 1896, a Academia Brasileira de Letras, tendo sido presidente no ano seguinte. Sempre doente e para aumentar seu sofrimento, em outubro de 1904, morre sua mulher, auxiliar e companheira.
Em 1908, licenciado das funções públicas, mesmo debilitado, escreveu seu último romance “Memorial de Aires”. No dia 29 de setembro de 1908, Machado de Assis faleceu vítima de câncer na casa 18, na rua Cosme Velho, situada na mesma cidade onde nasceu e viveu toda a vida,.


BIOGRAFIA DE MACHADO DE ASSIS

A vida do maior escritor brasileiro de todos os tempos ainda é bastante desconhecida, e talvez assim permaneça para sempre. Machado de Assis pouco escreveu diretamente sobre sua infância e juventude, e muitas vezes parece ter mesmo decidido silenciar sobre vários aspectos de sua vida pessoal. Para dar um exemplo: depois da morte da esposa, ele mandou destruir a correspondência que havia mantido com ela. Perdeu-se um material que certamente poderia ter contribuído para nós, seus pósteros, sabermos mais a respeito de sua intimidade. Mesmo na maturidade, quando se havia convertido em uma figura de prestígio público, há aspectos bastante obscuros de sua experiência. Quando começou seu problema de saúde? Por que ele não manteve laços claros com parentes seus e de seus pais? É verdade que ele renegava sua condição de descendente de escravos?
Essas perguntas e várias outras permanecem lamentavelmente sem resposta clara. Mas isso não desautoriza as perguntas: por mais que saibamos que a obra de arte nunca responde diretamente aos aspectos da vida real do autor, a vida de um grande artista sempre interessa, em alguma medida, para a compreensão de sua obra. Nem que seja para a gente admirar como é que o sujeito pôde, em meio a seus tormentos pessoais, inventar os mundos que inventou, flagrar as tantas coisas que flagrou.
Para quem gosta de encontrar paradoxos, a vida de Machado de Assis é um terreno promissor. Menino pobre, nascido no morro do Livramento, relativamente perto do Centro da cidade do Rio de Janeiro – a capital, sede dos poderes do Império do Brasil e por isso mesmo chamada de “a Corte”, e a mais importante cidade brasileira de então –, numa situação social precária, subiu todos os degraus possíveis para quem contava apenas com seu trabalho, vindo a falecer em confortável situação econômica, sem nunca ter sujado as mãos em negócio escuso, numa história repleta de méritos próprios. Tornou-se nada menos que o mais importante escritor de sua época no país, reconhecido ainda em vida quase unanimemente, tudo isso coroado, como um símbolo final, com a eleição para a Presidência da Academia Brasileira de Letras. Num país que foi escravista até quando tal regime não era mais sequer rentável do ponto de vista econômico (1888), e em se tratando de um pobre descendente de escravos, Machado não é apenas um caso curioso; é uma das mais eloqüentes exceções concebíveis.
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 1839 (21 de junho), filho de Francisco José de Assis, um pintor de paredes e dourador, mulato (filho, por sua vez, de escravos alforriados), e de uma portuguesa açoriana, imigrada menina para o Brasil, Maria Leopoldina Machado de Assis, que fazia serviços domésticos. Os dois sabiam ler e escrever, coisa bastante rara para sua condição social; casaram-se relativamente tarde: ela com 26 anos, ele com 32. Sua família – os pais, ele e uma irmãzinha mais nova, Maria, que morreu de sarampo aos cinco anos – formou-se na condição de agregada da família rica que vivia numa propriedade senhorial, no Livramento; pai e mãe trabalharam ali. Os padrinhos do menino foram gente dessa família, o que é mais um sintoma de sua condição humilde, porque era típico que filhos de agregados buscassem a proteção dos senhores mediante apadrinhamento.
Ficou órfão de mãe ainda menino, antes dos 10 anos; o pai voltará a casar em 1854, quando Joaquim Maria andava pelos 15 anos; a nova esposa chamava-se Maria Inês, tinha sangue negro como o pai, e estava com 33 anos ao casar (Francisco estava com 46 anos e morreria não muitos anos depois disso). Não se tratava de gente miserável, mas pobre; seus avós e seus pais eram todos pessoas livres, isto é, não-escravos, mas todos dependeram de algum tipo de proteção de gente de cima, pelo menos em alguma época de suas vidas. Em termos atuais, pertenceriam a um estrato inferior da classe média (supondo abaixo deles os escravos), ou a um estrato superior da classe baixa.
Para entender mais de perto esse quadro, é preciso pensar em uma realidade que para nós não é muito simples de conceber: um mundo em que cotidianamente se cruzavam nas ruas e nas casas indivíduos livres e outros escravos, sendo que entre os livres havia muitos com ascendência africana, visível na cor da pele. Como saber exatamente quem era o quê? E mais ainda: entre os livres havia muitos alforriados, quer dizer, libertados em seu período de vida; mas essa alforria em muitos casos era reversível, isto é, aquele antigo proprietário podia registrar, em documento de valor legal, que concedia a liberdade para seu escravo desde que este mantivesse bom comportamento, ou permanecesse servindo ao antigo dono até a morte, etc. Homens e mulheres livres desde sempre, como Joaquim Maria, seu pai e sua madrasta, podiam ser tomados como alforriados ou, pior ainda, como escravos, ao andarem pela rua; inversamente, escravos podiam ser tomados por homens livres, ao cruzarem a mesma rua.
Coloquemos na conta as datas de referência: em 1850 (Machado com 11 anos), é editada uma lei que proíbe o tráfico de escravos, o que ao mesmo tempo fecha a fonte costumeira de mão-de-obra e complica a vida dos escravos aqui existentes e os que nasciam de ventre escravo, que agora tinham mais valor de mercado e por isso mesmo eram mais vigiados; em 1871 (Machado adulto, já com 32 anos, já funcionário público) sai a lei do Ventre Livre, que demorou para ser aplicada mas que representou outra novidade importante, porque colocava um horizonte de tempo para a vigência da escravidão; e só em 1888 (Machado maduro, com quase 50 anos) viria a lei Áurea, que acabou com a escravidão legal no Brasil.
Voltemos à meninice de nosso escritor. De poucos dados documentais se tem certeza; daí por diante há muita especulação. Uma delas sugere que ele teria renegado viver com a madrasta, que era quituteira e doceira. Mas essa renegação é pouco crível, já que na altura dos 15 anos ele começou a trabalhar regularmente, e pouco depois já estava morando fora da casa familiar. É certo também que estudou pouco tempo em escolas formais, mas soube continuar vivendo e aprendendo, o que incluiu o português, algum latim e o francês (mais adiante dominará o inglês e chegará a estudar o alemão e o grego clássico). Como fez esse caminho? Uma especulação fala de ele ter aprendido francês com um padeiro emigrado para cá. Teria sido sacristão, conforme outra dessas estimativas; teria vendido doces em uma escola (feitos, possivelmente, pela madrasta) em troca de assistir aulas; tudo é muito incerto em matéria de informação sobre sua infância e juventude.
Os biógrafos, para suprir essas lacunas, costumam recorrer ao que Machado escreveu nas crônicas, nas quais de vez em quando evocou aspectos não tanto pessoais, mas sim da cidade de sua infância, e na ficção, em que registrou algo da vida de menino (como no famoso “Conto de escola”, que documenta uma sala de aula e a relação entre colegas) e algo talvez da vida da antiga propriedade senhorial de seus primeiros anos (como no romance Casa velha). Trata-se de deduções possíveis, mas não totalmente confiáveis, que de todo modo ajudam a acercar-nos daquele período.
A parte bem documentada de sua vida, aquela que tem a ver com o que escreveu, começa aos 15 anos: nessa idade aparecem seus textos, primeiro poemas (todo mundo queria ser poeta em 1854, ele com 15 anos, auge do Romantismo), depois crítica literária e teatral. Nessa obra inicial se percebe já o metódico de sua atuação: Machado dá sempre a impressão de compensar com esforço e organização os aspectos arbitrários da vida. A poesia desse período não traz novidade, mas as crônicas e os ensaios sim, porque mostram o jovem intelectualmente impetuoso, dotado de um notável desejo de consertar o mundo – ele quer teatro mais sério, recusando as grosserias do que nós chamaríamos de “pastelão”; ele quer o jornal como um meio de educação cívica do leitor; ele quer uma literatura envolvida com a vida do povo de seu país e de seu tempo. Tais idéiasforam, de certa forma, mantidas ao longo da vida; mas o ímpeto arrefeceu, e aquele jovem de texto combativo deu lugar a um ironista que, como um personagem seu, tinha “tédio à controvérsia”.
De todo modo, antes dos 18 anos já o encontramos trabalhando, algum tempo como caixeiro no comércio, depois como aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional. Daí por diante vamos encontrá-lo sempre metido em trabalhos letrados, atuando como revisor de editora e de jornal, como jornalista mesmo, e mais tarde ainda como funcionário público no campo administrativo. Uma figura imprescindível em sua vida, na altura dos 17 anos, é Francisco de Paula Brito: editor, jornalista e, mais que isso, animador cultural, tinha idade para ser pai de Machado de Assis, e de certa forma foi seu tutor, nesse começo de vida intelectual. Mulato e defensor do fim dos preconceitos, Paula Brito reunia intelectuais e escritores, oferecendo em sua loja um raro ponto de encontro cultural na cidade, que serviu para Machado, o jovem pobre e esforçado, enturmar-se com gente já importante no mundo das letras e com jovens promissores, como Casimiro de Abreu. O jovem Joaquim Maria vive, assim, nas duas pontas do processo intelectual, como funcionário técnico (tipógrafo e revisor) e como autor. Ao contrário de gente como José de Alencar ou Casimiro de Abreu, escritores de família abastada, Machado só podia mesmo era trabalhar, duro e bastante.
O Rio de Janeiro de sua infância se modifica muito, com o passar do tempo. A cidade imunda dos anos 1830 conhece um surto de desenvolvimento forte com o auge da produção do café, nos anos 1850, momento que se acompanha de uma intensa sofisticação dos hábitos culturais da cidade, incluindo jornais novos, editoras, livrarias, teatro, música. A partir de 1870, começam a crescer duas campanhas que empolgaram as pessoas sensíveis: a luta pela Abolição e a batalha pela República. Na virada do século, no final da vida de Machado, a cidade conhece uma revolução urbanística, que modificou radicalmente o Centro e a antiga Zona Sul, derrubando casebres e construções coloniais para dar lugar a prédios de arquitetura requintada, na intenção de tornar o Rio uma metrópole modernizada, uma cidade que queria pensar-se como européia, ainda que mantivesse na miséria dezenas de milhares de ex-escravos e pobres em geral.
Enquanto isso, Machado trabalhava, o tempo todo. Nem pensava em folgas, e quase nunca tirava férias. O período mais longo de repouso aconteceu por força de doença: na altura de seus 40 anos teve uma crise que apareceu como um problema nos olhos (ele temeu ficar cego); pela mesma época, manifestou-se duramente a epilepsia, que já o acometia e que o acompanharia para sempre (parece haver relação entre as duas coisas, a cegueira temporária e a epilepsia). Por sorte, já estava casado com Carolina Xavier de Novais, uma mulher muito culta, portuguesa, que seria sua companhia até o fim da vida (ela morreu em 1904, e ele quatro anos depois). Estando acamado por aquela crise de saúde, foi para Carolina que ele ditou os primeiros capítulos da obra que marcaria uma tremenda mudança em sua escritura: as Memórias póstumas de Brás Cubas. Talvez essa crise de saúde tenha sido um motor, assim, para a radicalidade com que Machado forçou os limites da narrativa que até então praticara, dando lugar a uma estratégia de grande inventividade e incrível força crítica: um morto, Brás Cubas, resolve contar coisas sobre sua vida; e, como está morto, não precisa preservar nada, ninguém.
Em 1867 recebe uma comenda do Imperador (cavaleiro da Ordem da Rosa), o que indica seu relativo prestígio social, e entra para o serviço público, emprego estável e bem pago, o que deve ter sido uma bênção para quem vinha de baixo e queria ter condições de escrever criativamente. No ano seguinte, conheceu Carolina, e mais um ano depois, aos 30 anos, casa com ela. Daí por diante sua vida pessoal vai ser bastante serena: um casamento que parece ter sido muito amoroso e certamente foi produtivo para suas pretensões intelectuais e artísticas, junto com uma carreira funcional ascendente, que vai culminar na destacada condição de Diretor-Geral de Ministério. Não tira férias longas, não pára de trabalhar, nem se aposenta. No ano de 1908, que marcará a edição de seu último e magnífico romance Memorial de Aires (poucos meses antes de sua própria morte), Machado licencia-se para tratar da saúde, que já andava precária. Tinha 69 anos, uma vasta e já reconhecida obra, e uma carreira exemplarmente bem sucedida na burocracia do serviço público.
Quase não dá para imaginar uma conciliação entre essa serena e metódica figura com o criativo e ousado escritor que sacudiu a serenidade do romance de amor em Dom Casmurro (1900) ao inscrever nas entrelinhas o vírus letal do ciúme, a terrível sensação de traição que Bento Santiago alimenta a respeito de sua própria esposa, Capitu. É quase impossível imaginar que um sujeito tão afastado de preocupações menores, tão distante dos arroubos nacionalistas que comoveram os de sua geração (tanto em sua juventude, com a moda indianista dos anos 1850 e 1860, quanto em sua maturidade, no episódio da luta pela República, nos anos 1880), um sujeito tão cosmopolita, fosse também um indivíduo tão pouco viajado. Como se sabe, mas custa crer, Machado nunca foi ao exterior, e o limite de suas andanças brasileiras foi Petrópolis e Vassouras, no estado do Rio, e Barbacena, já em Minas, cidades bastante próximas da capital federal de então.
Machado foi um elegante. De tudo que dele se sabe, nunca usou expedientes escusos para encontrar seu lugar na sociedade brasileira ou na literatura de seu país. Não teve padrinhos a quem pudesse recorrer para conseguir favores ou subir posições sociais; não praticou as mesquinharias tão comuns no mundo artístico como plataforma para firmar-se na opinião pública. Tudo leva a crer que se trata, realmente de um raro caso de cidadão brasileiro que veio muito de baixo e subiu por méritos próprios, sendo simultaneamente um artista de grande poder crítico. Essa trajetória autônoma mais se salienta se levarmos em conta que seus pais e avós viveram, pelo menos em parte de suas vidas, na dependência de alguém bem posicionado socialmente, precisando de algum favor.
É certo que ele, como sua cidade e o mundo, foi mudando ao longo do tempo. Em traços largos, pode-se dizer que Machado principia sua carreira como jornalista, poeta e dramaturgo, atividades que se desenvolvem ao longo dos anos 1860, época em que também faz algumas traduções do francês. Nos anos 1870, continua praticando poesia, mas vai deixando o drama e o jornalismo para concentrar suas atenções na crítica – nesses anos escreve um conjunto apreciável de ensaios ainda hoje interessantes – e na prosa narrativa. Depois de 1880, vai praticamente abandonar poesia e crítica para dedicar mais atenção à narrativa, em romances e contos, e à crônica, gênero que ele elevou a patamares inéditos. Quanto à visão de mundo, pode-se dizer que nosso autor passa de um liberalismo acentuado na juventude para uma posição cada vez mais desiludida e cética, motivo de fundo de sua ironia constante, aguda e sutil. Dá a impressão de que foi afinando seus instrumentos de análise da sociedade brasileira, o que lhe permite partir de uma visão relativamente ingênua e atingir essa condição superiormente irônica, ao mesmo tempo crítica, cética e radicalmente humana.
Joaquim Maria Machado de Assis, muitas vezes referido com o apelido “Bruxo do Cosme Velho” – “bruxo” pela inventividade, por aquela espécie de feitiço que se encontra na obra dos grandes artistas, “Cosme Velho” por ser este o bairro do Rio de Janeiro em que ele viveu os últimos anos de sua vida –, não teve filhos, como aliás boa parte de seus maiores personagens: Brás Cubas, Quincas Borba, Bento Santiago, os gêmeos Pedro e Paulo, o conselheiro Aires. Debilitado, mas reconhecido no mundo intelectual, morreu no dia 29 de setembro de 1908. Por determinação expressa deixada antes da morte, foi enterrado no mesmo jazigo em que estava, fazia quatro anos, sua amada Carolina.

Obras do Autor:


Romances

Ressurreição - 1872
A mão e a luva - 1874
Helena - 1876
Iaiá Garcia - 1878
Memórias Póstumas de Brás Cubas - 1881
Quincas Borba - 1891
Dom Casmurro - 1899
Esaú e Jacó - 1904
Memorial de Aires - 1908

Poesia 

Crisálidas
Falenas
Americanas
Ocidentais
Poesias completas


Contos

A Carteira
Miss Dollar
O Alienista
Noite de Almirante
O Homem Célebre
Conto da Escola
Uns Braços
A Cartomante
O Enfermeiro
Trio em Lá Menor
Missa do Galo

Teatro

Hoje avental, amanhã luva - 1860
Desencantos - 1861
O caminho da porta, 1863
Quase ministro - 1864
Os deuses de casaca - 1866
Tu, só tu, puro amor - 1880
Lição de botânica - 1906 



MOVIMENTO LITERÁRIO

A primeira fase do escritor é marcada por textos com características do Romantismo. Já a segunda, com o autor já mais amadurecido, é lembrada pela aproximação com o Realismo. O amadurecimento literário tem influência da esposa do escritor, uma mulher culta que apresentou várias obras importantes ao autor. 
Estilo:

As obras que fazem parte da Trilogia Realista – Dom CasmurroMemórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borbas – são marcadas pela ironia e pelo pessimismo. A primeira fase do autor, menos madura, é mais próxima do Romantismo e tem um estilo mais ingênuo. As obras conhecidas da época são: “Helena”, “A Mão e a Luva” e “Ressureição”. 
Machado de Assis não costuma seguir uma narrativa linear. É como se as histórias fossem contadas a medida que os personagens lembram dos fatos. Faz uso, portanto, da disgressão, isso é, desvia do tema central para trazer recordações e reflexões sobre o assunto. Além disso, o autor colocava o narrador para falar com o leitor, recurso notado em obras como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

Características dos Romances Realistas

* Ruptura da Narrativa Linear – os fatos são narrados à medida que afloram à consciência ou à memória do narrador.
* Metalinguagem do Discurso Narrativo e Digressões – o narrador conversa com o leitor, interrompe a narrativa para explicar, comentar sobre uma personagem ou sobre a obra/livro.
* Universalismo – em suas obras os temas abordados eram universais e permanecem contemporâneos hoje, entre eles escreveu sobre: a essência da aparência; o caráter relativo da moral humana; as convenções sociais e os impulsos interiores; o acaso; o ciúme; a irracionalidade; a crueldade; a loucura e a normalidade. Tudo isso com um enfoque na análise psicológica, o que causou uma pobreza de descrições e paisagens.
* Pessimismo – o narrador machadiano revela-se com uma visão Desencantada da vida e do homem, tendo as vezes uma postura Nihilista (tão negativa que não acredita em nada). O Desmascaramento da hipocrisia e cinismo, entre outros defeitos, é um dos temas que mais se destacam nessepessimismo.
* Ironia e Humor Negro – uma das maiores características de seus textos é a combinação da Ironia e do humor para denunciar e “rir” de uma forma amarga seu desencanto com a miséria física e moral das personagens que refletem a sociedade.
* Influências – Shakespeare, Dante Alighieri, Cervantes, Voltaire, Sterne e Swift (esses três últimos marcados pela ironia e senso de humor “refinado”)
* Microrrealismo – interesse por cada detalhe do psicológico, numa narrativa lenta, com reflexões filosóficas.
* Equilíbrio, Disciplina clássica, Correção gramatical, concisão e economia vocabular são muito presados pelo autor.


RESUMO DAS PRINCIPAIS OBRAS DE MACHADO DE ASSIS:


Dom Casmurro
Por Machado de Assis

Realismo. A história toda se passa no Rio de Janeiro do Segundo Império e conta a história de Bento e Capitolina, esta sendo descrita por José Dias, agregado da mãe de Bento, como tendo "olhos de cigana"; a infância, onde surge a paixão com Capitu, primeiro estranha e depois mais bem definida, a juventude de Bento no Seminário ao lado de Escobar, seu melhor amigo até a morte deste por afogamento, o casamento de Bentinho e Capitu, após a mãe deste cumprir a promessa de enviar um rapaz ao serviço da Igreja mandando um "enjeitadinho" ao seminário no lugar de Bento e a separação devido ao ciúme de Bentinho por Capitu com Escobar, mesmo depois deste morrer.
Ele manda então a esposa e seu filho para a Europa por causa do ciúme, quase matando-os antes envenenados. Seu encontro com o filho, muitos anos mais tarde, é frio e distante, já que a todo o instante ele o compara com Escobar, seu melhor amigo que ele achava o ter traído e ser o pai do então já jovem estudante de Arqueologia, que falece, meses depois numa escavação no estrangeiro, sem jamais ver o pai novamente.
Um romance psicológico, sob o ponto de vista de Bentinho, nunca se tem certeza de que Capitolina traiu-o ou não. A favor da tese da traição existe o fato que Bento sempre parece falar a verdade, as semelhanças achadas por Bento entre seu filho e Escobar e o fato que os outros descreviam Capitu como maliciosa quando esta era jovem. Contra a tese existe que Capitu reclamou de seu ciúme e nunca efetivamente fez muita coisa que desse motivo de suspeita, exceto uma vez em que manteve um segredo com Escobar, que era casado. Este humilde escritor acha que Bento não foi traído, mas isso é essencialmente pessoal.

Memórias Póstumas de Brás Cubas
Por Machado de Assis
Realismo. A história é narrada por Brás Cubas, um defunto autor que após narrar sua morte e funeral começa a contar a sua vida. Conta a infância, as travessuras, o primeiro namoro com Marcela (interesseira e bela, fica pobre e feia), um namoro com Eugênia (que acaba pobre) e mais tarde seu noivado com Virgília. Como Virgília casa com outro eles mais tarde se tornam amantes.
O romance era ajudado por Dona Plácida (que também morre pobre) e acaba quando esta vai para o Norte com o marido. Conta então seu reencontro com o amigo Quincas Borba (primeiro na miséria, depois rico, depois miserável e louco), que lhe expõem sua filosofia, o Humanitismo. Cubas passa seguir o Humanitismo. Já deputado, não se reelege ou se torna ministro e funda um jornal de oposição baseado no Humanitismo. Mais velho se volta para a caridade e morre logo após criar um emplasto que curaria a hipocondria e lhe traria fama.

Quincas Borba
Por Machado de Assis

Realismo. Continuação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba conta a história do ex-professor primário Pedro Rubião de Alvarenga, que após cuidar do filósofo Quincas Borba até a morte, recebe dele toda a fortuna sob a condição de tomar conta do cachorro, que também tem o nome de Quincas Borba. Rubião muda-se então para o Rio. No caminho conhece o casal Sofia e Cristiano Palha.
Apaixonado por Sofia e ingênuo, Rubião vai sendo explorado e aproveitado por todos os amigos, que lhe tomam dinheiro emprestado, lhe pedem favores, jantam em sua casa mesmo quando ele não está, etc. Vai envolvendo-se sem sucesso com a política e perdendo muito dinheiro com gastos exagerados e empréstimos.
Cristiano e Sofia (que não corresponde o amor) vão se aproveitando dele muito mais, subtraindo-lhe a fortuna, saindo do estado original de dívidas para um de opulência no final. A medida que o tempo passa, a decadência material e o desespero de não ter correspondido seu amor leva Rubião a enlouquecer. Enquanto no começo travava "discussões" com Quincas Borba (o cão), depois começa a pensar ser Napoleão III e Sofia sua esposa Eugênia. Passa a nomear todos nobres e generais, ter visões, falar sozinho. Quando ao final é internado num manicômio, sua fortuna não é mais 1% do que antes fora. Ele foge do manicômio e volta para Barbacena, de onde saíra após enriquecer, levando apenas Quincas Borba.
Enlouquecido e pobre, é recolhido pela comadre e morre louco, corando-se Napoleão III, repetindo incessantemente nos seus últimos dias a célebre frase "Ao vencedor, as batatas!" Narrado em terceira pessoa, cheio de ironia sofisticada, uma personagem feminina dissimulada, uma dúvida constante (Quincas Borba é o título por causa do cão ou do filósofo?), esta é uma das melhores e mais famosas obras de Machado de Assis.

Esaú e Jacó
Por Machado de Assis

Realismo. Contada como que por um autor que teve acesso ao Memorial do Conselheiro Aires, usa o volume último de seus cadernos. Começa contando a história de Natividade que, grávida de gêmeos em 1871, consulta uma vidente. Esta lhe diz que seus filhos, apesar de estarem brigando em seu ventre, terão grande futuro. Ao sair, de tão feliz, dá uma esmola grande a um mendigo ("para as almas", mas ele guarda o dinheiro).
Desde quando nascem os jovens Pedro e Paulo tornam-se contrários. As disputas uterinas tornam-se políticas já que Paulo é republicano e Pedro monarquista, Pedro tornar-se-á advogado, Paulo médico. Eles estudam separados (Paulo em São Paulo, Pedro no Rio) e conhecem em 1888 a filha de um casal de políticos, Flora, pela qual se apaixonam. E ela corresponde o amor aos dois. Assim os irmãos desunidos unem-se e competem pelo amor de Flora.
O Conselheiro Aires, amigo das duas famílias, trabalha junto com os pais dela para que ela escolha um ou nenhum, mas escolha. Assim transcorre o tempo com os irmãos discutindo a política desde a Abolição, passando pela Proclamação da República e a queda de Deodoro (os pais de Pedro e Paulo e os de Flora são políticos e nunca parecem saber quem estará no poder).
A distância por vezes separa o trio, mas eles permanecem (des)unidos. Flora é cortejada por outras, incluindo Nóbrega, o mendigo de 1871 enriquecido mais tarde, mas ela rejeita a todos. Quando em 1892, durante o estado de sítio declarado por Floriano Peixoto, Flora morre, os irmãos se unem na dor e reconciliam-se. Um mês depois renasce a inimizade. Mais um ano e tornam-se deputados (em partidos opostos, logicamente).
Quando a mãe morre, pede que ambos tornem-se amigos e eles juram que o farão. No ano seguinte são vistos sempre juntos na Câmara. No seguinte àquele, desentendem-se novamente. Uma maravilhosa mostra da capacidade de Machado de Assis, esta obra foge do maniqueísmo do esquema gêmeo bom - gêmeo mau, mantendo sempre o ponto de vista que, apesar das divergências ou por causa delas, Pedro e Paulo são dois lados da mesma moeda. É eficiente também em mostrar os anos de transição do Império para a República.
Veja o resumo do livro: Esaú e Jacó.

Memorial de Aires
Por Machado de Assis

Realismo. Escrito sob a forma do diário do aposentado Conselheiro Aires, diplomata aposentado que deixou a mulher morta em Bruxelas. Tudo se passa de 9 de Janeiro de 1888, aniversário da volta do diplomata de Bruxelas ao Brasil, até o fim de agosto do ano seguinte.
Apesar de ter sido escrita por Aires e serem suas impressões que lemos (ele declara que queimará o diário quando o acabar, se não morrer antes), a história é sobre Fidélia e Tristão. Fidélia é uma viúva moça que ainda dedica ao marido, mesmo que só ao seu túmulo, dedicação.
Aires aposta com Rita, sua irmã, que ela recasará um dia; talvez até com ele. Rita é "filha de empréstimo" do casal Aguiar e ainda muito triste pelo falecimento do marido e a situação familiar geral, á que o casamento foi como um Romeu e Julieta que não uniu as famílias, mas desuniu-as. Tristão é afilhado dos Aguiares e um tanto volúvel: indo a Lisboa para se tornar advogado, torna-se médico e político. Volta então ao Brasil para visitar seus padrinhos e "pais de empréstimo".
Enquanto Aires vai narrando o cotidiano daquela situação, como que fora dela como estava Brás Cubas em suas Memórias Póstumas, morre o pai de Rita e ela finalmente se reconcilia com seu passado. Ela vai à fazenda paterna fazer os arranjos e volta mais tarde.
A medida em que o tempo passa Tristão e Rita vão aproximando-se, até que ele se apaixona por ela, fato que confessa a Aires, que também a admirava, mesmo que nunca a dissesse e não fosse de modo apaixonado, como que apenas pela estética de o fazer.
Quase chegando o tempo de voltar a Lisboa pelos fins de 1888, Tristão vai adiando a partida até que ele e Fidélia decidem se casar. Eles esperam a aprovação dos pais dele e depois até maio para o casamento em si. O casamento procede bem e deixa o casal Aguiar felicíssimo pela união dos "filhos" e pela permanência de Tristão que estava para partir.
Alguns meses depois do casamento Fidélia e Tristão decidem viajar a Europa e tentam convencer o casal Aguiar a ir também, mas eles se negam. Eles recomendam ao Conselheiro que cuide do casal e, ao chegar a Lisboa, Tristão encontra-se eleito deputado (ele tinha se naturalizado português) e eles ficam, como era seu plano original; por isso aliás tentaram convencer o velho casal a acompanhá-los.
O livro acaba com uma anotação sem data após 30/08/1889, com o casal Aguiar desolado pela partida dos "filhos". Contado todo sob a forma de um diário, com anotações com datas ao invés de capítulos, este livro foi o último escrito por Machado de Assis, e o foi para compensar a perda da esposa tem fortes tons autobiográficos.
Entre os fatos importantes estão o fato de que Aires está se retirando de cena, assim como o autor que faleceu no ano da publicação do livro, encontra-se saudoso, é irônico, tem influência inglesa, perdeu a esposa, etc. Remete também ao primeiro romance maduro do autor, Memórias Póstumas de Brás Cubas, já que Aires encontra-se fora de cena (mas não tanto quanto Cubas) e livre para falar sem estar preso a convenções.

Frases de Machado de Assis

“Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito.”
“Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho, Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!”
“Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução.”
“Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.”
“Eu gosto de olhos que sorriem, de gestos que se desculpam, de toques que sabem conversar e de silêncios que se declaram.”
“Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.”
“O capital existe, se forma e sobrevive a custa da sociedade que trabalha e nem sempre é recompensada pelos lucros que gera”
“O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede. Conheço um que já devorou três gerações da minha família.”
“Das qualidades necessárias ao jogo de xadrez, duas essenciais: vista pronta e paciência beneditina, qualidades preciosas na vida que também é um xadrez, com seus problemas e partidas, umas ganhas, outras perdidas, outras nulas.”
“O esperado nos mantém fortes, firmes e em pé. O inesperado nos torna frágeis e propõe recomeços.”
“Pois o silêncio não tem fisionomia, mas as palavras muitas faces...”
“Há coisas que melhor se dizem calando. As feridas do coração, como as do corpo, deixam cicatrizes. Nossos corpos são nossos jardins, cujos jardineiros são nossas vontades.”
“Descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.”

Curiosidades sobre Machado de Assis

A obra de Machado de Assis teve muitas adaptações para cinema, tv, teatro, ópera, música, dança, literatura e histórias em quadrinhos (HQ).
Machado de Assis era mulato, sempre teve uma saúde frágil, uma vez que sofria de epilepsia e gagueira.
Fama ainda em vida – Diferentemente de outros mulatos da literatura brasileira, Machado não precisou morrer para tornar-se célebre. A despeito da origem humílima, da cor, da doença (era epiléptico), Machado venceu pelo talento. Tanto a carreira de escritor, como a de funcionário público, quanto a literária evoluíram vertiginosamente. Numa época em que o escritor não ganhava dinheiro, Machado soube dosar a atividade profissional com a vocação literária. Além de escritor festejado, tornou-se o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, sem dúvida uma das maiores glórias do escritor ainda em vida.

Analise da obra “O Espelho” de Machado de Assis

No ano de 1882, Machado de Assis publicou sua coletânea de contos em um livro intitulado Papéis Avulsos. Este livro continha grandes preciosidades do trabalho do escritor, mas uma delas se destacou por usa ousadia e modernidade. Aparentemente era um conto comum e simples, pequeno e pouco chamativo, porém, ganhou muito destaque pela idéia que trazia.
O conto O Espelho desde seu lançamento foi um marco para a carreira de Machado de Assis, e até os dias de hoje é tido como o “ponto de partida” indicativo do amadurecimento do mesmo como escritor. Tal sucesso da obra é tido pela densidade reflexiva expressa em suas linhas, assim como, pela genialidade utilidade para causar um impacto imediato em seus leitores.
De maneira inovadora, Machado de Assis, se vale de um ponto bastante polemica para a época: a crença. Afirma claramente que o ser humano é em si composto por duas realidades, isto é, duas almas. E que estas almas são capazes de mudar com as circunstancias dependendo do alvo de seu olhar e que ambas juntas dão plenitude a vida do homem, sendo que sem uma delas o homem é capaz de deixar de existir, pois esta incompleto.
“Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... A alma exterior pode ser um espírito, um fluído, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação” (Trecho do conto “O Espelho”)
"a alma exterior daquele judeu (Shylock) eram seus ducados; perdê-los equivalia a morrer".   (Trecho: conto “O Espelho”)
A narrativa do conto é feita predominantemente em terceira pessoa e, tem inicio com a cena de quatro ou cinco cavalheiros debatendo assuntos transcendentes, onde a educação prevalece e não há a presença de brigas entre eles e sim discordâncias naturais. Jacobina nada diz a principio e somente observa os companheiros; logo em seguida ele intervém narrando “um caso de sua vida” aos cavalheiros presentes na “casa do morro de Santa Tereza”.
Diz ele em defesa de sua tese: "Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso de minha vida em que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas... - Duas? - Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro (...)." (Trecho da obra “O Espelho”)
Então, Jacobina conta-lhes que quando era mais moço foi nomeado alferes da Guarda Nacional e que todos os seu parentes e conhecidos começaram a tratar-lhe somo “Sr. Alferes” e com o tempo aquela antiga imagem de “João ninguém”, homem pobre e comum, é desfeita e agora ele se sente realmente o Sr. Alferes.
Uma viagem que faz a casa de sua tia Marcolina o faz se distanciar mais de sua real imagem e se aproximar mais da nova imagem que tomara pra si mesmo. Na casa de sua tia ele ganha um finíssimo espelho que é colocado especialmente em seu quarto, declara ele sobre o espelho “obra rica e magnífica, que destoava do resto da casa, cuja mobília era modesta e simples”; (conto “O Espelho”), espelho que vem a ser mais tarde o motivo de seu reencontro com sigo mesmo e com suas “duas almas”.
No decorrer da narrativa sua tia precisa viajar para estar junto de sua filha que adoece, deixando-o como uma espécie de vigiar e zelador da casa. No dia seguinte ele descobre que estava sozinho na casa porque todos os escravos fugiram e o deixaram lá abandonado a escutar o silencio das batidas do relógio. Um eterno tic-tac que lhe tirava a sua possibilidade de ser o “alferes”, pois a cada batida do pendulo ele sentia morrer dentro dele aquela imagem que fora criada de si mesmo, e assim era como que se sua alma exterior morre. Sem alguém para lhe dizer “Sr Alferes” ele se sente sozinho e deixa de viver e passa somente a existir, mas esta sensação de morte se ameniza quando ele adormecia.
"Acho que posso explicar assim esse fenômeno: - o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me, orgulhosamente, no meio da família e dos amigos, que me elogiavam o garbo, que me chamavam alferes". (trecho da obra...)
Então em sua agonizante solidão, Jacobina lembra-se do espelho que ganhara de sua tia e resolve olhar-se nele e se surpreende ao ver sua imagem de uma maneira que nunca vira antes, pois estavam ali “misturadas” as duas imagens: a da alma interior e exterior ao mesmo tempo.
“Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação”. (Trecho da obra...)
Transtornado Jacobina decide ir embora e enquanto se veste lembra-se de sua farda, então rapidamente ele pega-a e se veste, fardado agora ele é novamente o “sr. Alferes”. Então ele ao se olhar no espelho vê a imagem que sempre busco depois que ficara sozinho. Estava ali novamente sua “alma exterior” e ele a contemplava. Depois disso foi fácil para Jacobina suportar os demais dias que tinha pela frente, conclui ele. Logo em seguida Jacobina se retira da sala sem que os demais cavalheiros percebam.
“Lembrei-me de vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro reproduziu então afigura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho”. (Trecho da Obra “O Espelho”)
As obras de estilo metafórico são obras de difícil analise, pois possuem em vasto campo de interpretações e, por este motivo, é difícil estabelecer somente uma ou duas linhas reflexivas, mas o que fica claro e evidente é que a obra traz em si uma reflexão sobre o comportamento humano em relação a própria imagem que cada um tem da própria vida e da maneira com que cada um deve se valer dos bens e posições adquiridas ao decorrer da própria existência.
Machado de Assis tanto em seu conto “O Espelho” como em seu livro “Papéis Avulsos” estabelece uma dualidade entre o ser e o parecer, o desejo e a máscara, a vida pública e a vida intima. Tal dualidade tem o intuito de expor um paralelo entre a “alma exterior”, que liga ao status e ao prestígio social e conseqüentemente com a imagem que passamos para os outros, imagem esta que eles mesmos fazem de nós; como também com a “alma interior” que é quem somos, isto é, a nossa própria personalidade.
A suposta existência de “duas almas” descrita no conto é uma maneira estratégica de atrair a atenção do leitor para um ponto crucial: o motivo da existência humana.A questão que se esconde por detrás conto é justamente esta: “quem eu sou diante do poder?”. Muitos ao assumirem um cargo ou uma posição social se fixam somente no “status” ganhado e perdem a própria essência e personalidade. Assim é com a grande massa da sociedade e principalmente com aqueles que ocupam cargos de poder.
E talvez aquele tic-tac do relógio ainda ressoe em nossos tempos. Um eterno tic-tac que marca a hora da morte de inúmeras pessoas que se perdem de suas imagens reais;marcante tic-tac que ressoa em nosso eu como que um constante “até quando você vai perder tempo?” E parece que infelizmente damos muita atenção aos inúmeros conhecidos que nos fazem cada vez mais acreditar que somos o quanto nossa força de trabalho pode conseguir.
E no fim acabamos na solidão do nosso eu com a lembrança da “voz”- daqueles inúmeros e tão persuasivos anúncios cheios de gracejos e elogios- a nos dizer que somos o que podemos e o que podemos é o que temos. Marcantes batidas do relógio que matam pouco a pouco o ser humano em sua humanidade e suscita um humanorobótico. De quantos espelhos precisamos e de quantas novas realidades de vida?
Será que somos tão volúveis assim? Deixamos de ser quem somos para assumir a imagem de quem nos tornamos? Ser trabalhador não é ser a “pessoa da empresa”. É impactante saber que a pessoa humana tende a erroneamente a se tornar o objeto de seus esforços. Quantos e quantos Jacobinas e “Sr’s. Alferes” se escondem em nós e no seio da sociedade? Acredito que estas sejam as perguntas que fazem questão de ficar aqui na minha mente.







LIVRO: MEMÓRIAS POSTÚMAS DE BRÁS CUBAS
http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm05.pdf






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